quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Stephen Hawking: “Só estaremos seguros nas estrelas”
Para Hawking, a engenharia genética deve ser usada para melhorar a raça humana
 
Redação Época
 
Stephen Hawking tornou-se uma celebridade mundial com a divulgação de suas teorias a respeito do tempo e do Universo. Fundadas em modelos matemáticos, elas tangenciam abstrações que mudaram o curso da ciência. O mesmo cérebro que descreveu os buracos negros tornou-se hoje um crítico implacável do espírito predador da espécie à qual pertence. “Não considero a humanidade muito inteligente”, ironiza. E não é por outro motivo que resolveu apostar todas as fichas na engenharia genética. Garante que só assim as máquinas não ficarão mais espertas que os homens.
A esclerose lateral amiotrófica rouba-lhe progressivamente os movimentos. Imobilizado em uma cadeira de rodas e mudo há 16 anos, quando fez uma traqueotomia, Hawking comunica-se com o mundo através do teclado de um computador. Nesta entrevista, o físico da Universidade de Cambridge teclou comentários sobre idéias contidas em sua nova obra de divulgação científica, O Universo numa Casca de Noz.
ÉPOCA: O título de seu novo livro é uma citação de Hamlet, de William Shakespeare, e se refere à capacidade que as pessoas têm de investigar o desconhecido somente por meio do intelecto. Mas Hamlet é impedido de realizar vôos intelectuais por causa de sonhos ruins. O senhor tem pesadelos?
Stephen Hawking: Sim. Um deles é o de que a humanidade, com seu elevado poder técnico e científico, possa se autodestruir. Guerras atômicas e um catastrófico aquecimento global são os maiores perigos. Vírus geneticamente modificados representam outro risco possível. Além disso, podem aparecer problemas que nem imaginamos hoje. A raça humana só estará segura quando alcançar as estrelas e nelas encontrar mundos habitáveis. Em nosso sistema solar, não há outro alojamento para o homem além do planeta Terra, que corre sérios riscos de degradação.
ÉPOCA: Não é a primeira vez que o senhor afirma que os humanos agem de forma pouco inteligente. O que o desagrada na espécie?
Hawking: Durante os últimos 2 milhões de anos, o instinto agressivo aumentou as chances de sobrevivência e reprodução dos humanos. Nossa disposição para atacar uns aos outros, no entanto, será extremamente perigosa enquanto estivermos sentados sobre armas atômicas suficientes para destruir o mundo várias vezes. A agressividade sobreviveu como reflexo vital e hoje não nos ajuda em nada. Em tese, a seleção darwiniana trataria de eliminá-la de nosso DNA, mas o processo natural é muito lento. Talvez a engenharia genética seja o caminho de nos fazer menos destruidores.
ÉPOCA: O senhor admite a criação de um ser que substitua o Homo sapiens?
Hawking: Com modificações objetivas da herança genética poderíamos aumentar a complexidade do DNA e melhorar a espécie. Seria um processo gradual, porque a cada geração teríamos de esperar que as pessoas chegassem à maturidade para então constatarmos os efeitos da modificação nos genes. Apesar da lentidão, teremos de tomar esse caminho se quisermos que os sistemas biológicos permaneçam superiores aos sistemas eletrônicos. Os computadores aumentam sua capacidade de processamento mais rápido que o cérebro. Corre-se o risco de que a inteligência artificial se torne mais poderosa que a humana. Vale desenvolver técnicas que possibilitem a ligação direta entre cérebro e computador, de forma que os chips estejam a serviço das pessoas, em vez de competir com elas.
ÉPOCA: Teorias descritas em seu livro indicam que o Universo não possui apenas quatro, mas cinco, 11 ou até 21 dimensões. Que utilidade isso tem em nossa vida?
Hawking: Demorei muito até acreditar em dimensões suplementares, já que são idéias que brigam com o senso comum. É difícil compreendê-las a partir da experiência prática com os objetos que nos cercam. Relações matemáticas entre esses modelos, no entanto, evidenciam que estamos na pista certa e que a idéia das várias dimensões do Universo deve ser levada a sério. Teorias de mundos com mais de quatro dimensões explicam uma série de fenômenos observados no espaço de maneira muito elegante. Oque não sabemos é se essas dimensões extras existem de maneira tão concreta que nos permita viajar através delas.
ÉPOCA: Em um dos filmes da série Jornada nas Estrelas, o senhor aparece jogando pôquer com Isaac Newton e Albert Einstein. Se o senhor pudesse viajar no tempo, o encontro seria possível?
Hawking: A probabilidade de que objetos macroscópicos, como eu, possam viajar rumo ao passado é extremamente baixa, de acordo com meus cálculos. O que torna o tal jogo muito improvável. É uma pena, pois eu poderia ganhar muito dinheiro daqueles adversários.
ÉPOCA: E se houver um outro Stephen Hawking em algum Universo paralelo?
Hawking: Segundo o físico Richard Feynman, toda história imaginável pode ocorrer em outro Universo. Einstein, Newton e eu poderíamos realmente nos encontrar numa mesa de pôquer, em algum mundo, como no filme Jornada nas Estrelas. Além disso, deve haver uma história paralela na qual eu me case com Marilyn e outra em que Cleópatra seja minha mulher. A chance de tal coisa acontecer no Universo em que estou é extremamente baixa, sobretudo porque as duas damas, segundo dados confiáveis, já morreram.
ÉPOCA: O sonho dos cientistas é encontrar uma teoria definitiva que explique todos os fenômenos do Universo. Como ela seria?
Hawking: Tentamos unir a Teoria da Relatividade, de Einstein, com a Teoria Quântica. A primeira descreve os fenômenos da matéria e da gravidade. A outra explica o comportamento das partículas elementares, como o átomo, o elétron e o quark. Se desse certo a união, de fato teríamos uma Teoria do Todo, que descreveria como começou o Universo e por que ele é assim como o observamos hoje.
ÉPOCA: Um dia contaremos com a fórmula definitiva?
Hawking: Sim. É claro que nossas teorias, hoje, são inacabadas, mas tenho quase certeza de que chegaremos a esse conhecimento completo.
ÉPOCA: Seria a receita usada por Deus para criar o mundo?
Hawking: Sim. Nesse sentido realmente seria a receita de Deus.
ÉPOCA: Ela também explicaria outros enigmas? Diria, por exemplo, se existem outros Universos e por que o tempo é irreversível?
Hawking: É inimaginável que nosso espírito não possa desenvolver uma teoria que descreva todos os fenômenos do Universo. Os macacos não entendem a Teoria da Relatividade, mas sua herança genética é idêntica à nossa em 99%. Esse 1% de diferença dá ao homem uma grande vantagem: a linguagem. Ela une todos os cérebros humanos num grande e lento computador. Ainda assim, espero que essa engrenagem seja suficientemente poderosa para criar a Teoria do Todo.
ÉPOCA: O senhor já disse que gostaria de descobrir o plano divino para a criação do mundo. Está mais perto dele?
Hawking: Há 20 anos eu achava que chegaríamos a esse saber até o fim do século XX. Mas, embora tenhamos feito uma série de progressos, nosso grande objetivo parece tão distante quanto há duas décadas. Por isso desacelerei expectativas. Ainda penso que até o fim do século o alcançaremos – só que, desta vez, será no fim do século XXI.
ÉPOCA: Inúmeras vezes o senhor afirmou que Deus não precisaria ter sido requisitado para criar o Universo. Ainda pensa desse modo?
Hawking: Não gosto de perguntas sobre minhas crenças. E, muito menos, de falar em Deus.

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